quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

ter é tardar

Tudo começou quando, perto do pedágio, em resposta ao meu dizer "mas se você deixa pra depois, é porque confia na memória" e o Arturo me disse confiar é na transformação. E uns dias depois, o Marcos, na universidade, me reiterou na necessidade da unidade.

Dentro da transformação, encontrar uma unidade. Não promovê-la, nunca. Achá-la como um espectador encontra pontos de encontro entre o que ele carrega e o que lhe é apresentado. Uma unidade inegável.

Digo isso: hoje notei que às vezes escrevo um texto que me parece totalmente fora do encontro com um outro, sei lá, escrito ontem. Olho os dois e penso: não é possível, estou perdendo algo entre eles, algo que não vi passar, algo que continua sendo sentido e onde não posso tocar. Nunca saberei. Começo a me comentar: preciso voltar a lançar continuidades como fios e tênues mesmo, para adiante e para trás. Organizar o Álvaro de Campos para o definitivo. Fico aflita atrás disso. Mas quando esqueço ou me acalmo de tanto correr encontro que o texto de hoje, tem sim uma unidade, com um texto, sei lá, de três anos atrás. Vejo que estava escrevendo o mesmo texto a cada dia em silêncio. Preciso ter calma, desacreditar na exaustão. Mas o tempo me entorpece como um pirata bêbado que amanhece afogado.

Ou, por exemplo: desde que voltei estou tentando terminar um conto que comecei antes de viajar. Está bem pela metade. É uma história simples, de amor. Eu já tenho toda a estrutura dela mentalmente traçada e tenho até a cor verde de certas cenas noturnas, mas não consigo concatenar uma imagem na outra em texto. Daí estou na rua e vejo uma mulher cortando cebolas. Penso assim: "vou colocar uma mulher parecida com a Clarice L. a cortar uma cebola no pavilhão do hotel antes dela sair pra jantar com a Flora". Sento-me em frente ao texto e não consigo. Não consigo. Nem três linhas. Três dias depois, sofrida, enfim me liberto e coloco aquela imagem em outro texto: o do cachorro: por exemplo:

desconfio que é ele quem rói
cebolas pela casa gota a gota
e de manhã a camareira do seu
hotel limpo com o pano gasto


por um tempo, isso assim me satisfaz.

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Acho maravilhoso, embora, esse problema de fazer crítica e literatura ao mesmo tempo é o lance elástico de achar fácil de cada lado da rua estratégias de ação. Uma coisa diz a outra, são reflexos de outras, e logo ficam encarceradas, acimentadas, gradeadas não!, arrebento. Quem bem me conhece sabe que tenho a fase do descrer, a desflor.

Afinal, se ler o tempo todo, interpretar-se e agir ou escrever daquele jeito que esperam é procurar dar estações de rádio que alguém sintoniza e pá: música de elevador.

Estou pelo acidental? Se alguém visse como sempre escrevo em linha reta acreditaria na minha necessidade de derrubar estantes. Estou que só os ossos comunicam.

Adeus.

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