sábado, 8 de maio de 2010

este livro é um oráculo/ você toca nele

no cantos de estima escrevi uma nota de prelúdio, introdução: "este livro é um oráculo/ você toca nele". finalmente me perguntaram o que quis dizer com isso.

respondo.

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no pouco que entendi do Rancière (a partilha do sensível) há uma frase que me tomou a concentração: em que ele diz que há um movimento de democratização quando o Flaubert (um grande exemplo) parte para a construção de figurações e não de ensinamentos.

por algum caminho isso me parece próximo da morte (filosófica) do deus cristão. se não há um sentido maior, absoluto e controlador da experiência, é a própria experiência que interessa. e não um como instruir a experiência por meio de um sentido, prévio e regulador.

pelo que estou entendendo a busca pelo sentido não cessou. a psicanálise, por exemplo, trouxe o indivíduo para o centro da sua própria narrativa mitológica. o que é a obrigatoriedade do consumo se não um grande indivíduo-deus capaz de possuir e criar (por meio do dinheiro) o mundo que quiser ter? e falta de dinheiro um "por que me abandonastes",

e mesmo a heroicização individual perceptível em qualquer revista de comportamento. "tudo é possível, se eu quero, se eu ajo" é o que parecem dizer. nessa hora penso em

Navegar é preciso,
viver, não é preciso

isso se a minha leitura destes versos famosos for pelo caminho de que eles não têm haver com uma negação da vida, mas com o conhecimento técnico. ou seja, o verbo "precisar" teria aí mais haver com exatidão do que com necessidade.

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se penso um pouco mais acho que deus morreu para quem?

pros ateus, é certo que formaram uma outra religião.

pensemos na força da Igreja Universal do Reino de Deus no Brasil, em Portugal facultando os serviços por conta da visita do Papa, e os muçulmanos, e os budistas, e tantas outras... magias, profecias, conhecimentos.

e a morte de deus parece ser um pensamento civilizatório, historicizado e que pertence a pouca gente.

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se um oráculo te traz uma imagem que você já tinha mas que não se via revelada, eu acho que a poesia tem desse rio. isso em primeiro lugar. em segundo lugar eu acho que a gente (nosso tempo) vive uma teia cotidiana que não sei explicar bem. acho que ainda não tenho experiência pra dizer isso, mas você sabe do que estou falando.

é o que os antropólogos, sociólogos, ólogos da vida chamam de ausência de ritual, ou "morte de deus" ou "falta de sentido". e então eu acho que a arte entrou muito por aí, nessas fendas. há gradações e registros, é claro. mas na minha experiência principalmente a música ensina como sentir, carregada, levada, por ela. ouço um refrão e ele explica-me o que sinto, com ele, aumento o que sei. por mim, sou da música. e então David Byrne e Brian Eno

your song still need a chorus

e é só pensar nas quinquilharias e quadrilhões de livros de auto-ajuda, né? paulo coelho = suplemento de alma. então eu quis brincar com isso

"este livro é um oráculo/ você toca nele" que também é uma forma de dizer que ninguém ultrapassa a si mesmo e esse limite é ilimitado. que sempre vai se encontrar no presente livro um oráculo do seu presente, através do qual vão se constituir e radicar, tanto o futuro, como o passado.

4 comentários:

júlia disse...

e eu nunca tinha notado que a "quote" do david byrne no video dessa música no youtube ele diz "what religions says to you [in this century] is you're not in control... I think this is a very liberating idea".

c. sá disse...

sinto muita afinidade com a tua ideia de poema oráculo, adorei a frase do david byrne no meio da música, mesmo a responder-te! acho que estás a encontrar um caminho.

marcos disse...

http://www.youtube.com/watch?v=QrThDYbj_cU&feature=player_embedded

lrp disse...

De qualquer forma, acho essa nota linda.

 

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